Vinte e sete
anos de história chegam ao fim. Algumas horas atrás o último músico da - agora extinta
- Banda Sinfônica do Estado de São Paulo (BSESP) acaba de sair do Teatro
Caetano de Campos após assinar seu desligamento. Os amigos despediram-se uns
dos outros, da equipe técnica e do Maestro; tristes, mas de cabeça erguida.
Os concertos
de protesto demostraram que mesmo na adversidade o trabalho do músico é
dedicado ao público. O refinamento desse artesanato não deve ser confundido com
mero entretenimento; é a arte que resiste a provocação do tempo e demanda
esforço para se executar. Qualquer
pesquisa e comprovação científica moderna apenas demonstra no papel o que
qualquer pessoa é capaz de compreender. Música é ensinamento, inteligência,
desenvolvimento, conhecimento, emoção, medicamento, história e evolução.
Grande lar dos
instrumentistas de sopros, as bandas surgiram de forma orgânica e se espalham
pelo país, sua história sempre interligada com narrativa de sua cidade. Atualmente
essa formação é a que gera o maior número de composições sinfônicas inéditas,
sendo responsável também por garantir postos profissionais que suprem a demanda
de músicos. Muitas vezes são essas bandas uma das poucas opções de difusão
cultural de cidades pequenas.
A BSESP representava
o ponto mais desenvolvido dessa tradição,
para músicos jovens era um dos destinos da carreira profissional e, para
as bandas já profissionais, era um dos exemplos e grande representante do
repertório. O grupo conseguiu respeito
internacional ao ser convidado mais de uma vez para as conferencias da World Association
for Symphonic Bands and Ensembles, na
Áustria.
A música
produzida pela e para a Banda diversificava com excelência a gama de opções do
público paulista. A escolha entre grupos sinfônicos tradicionais, montagens de
ópera, concertos de música popular ou coral era enriquecida pela sonoridade única
que caracteriza essa formação singular. O repertório nacional está empobrecido
sem um de seus patronos, e cada vez mais a população perde em seleção, na
possibilidade de diferentes apreciações. Estamos prejudicados pelo afunilamento
da pluralidade cultural.
Todos que
tiveram a sorte de crescer cercados pela oportunidade de vivenciar a
manifestação artística sabem (mesmo que no subconsciente) a importância dessa
observação para o seu desenvolvimento crítico e intelectual. É assustador
pensar que, são exatamente pessoas educadas e nutridas pela música, que gozam
da elocução necessária para destilar o discurso verborrágico e vilipendioso que
subjuga qualquer expressão artística. Efetivamente convencendo outros de que o
músico é dispensável.
Estamos
negando a um número enorme de pessoas, pouco a pouco, as mesmas oportunidades
de desenvolvimento intelectual que tivemos, uma manobra vil de domínio civil. Seguindo
essa mentalidade a verba da secretária de cultura é o primeiro alvo de cortes, nunca
os supersalários de funcionários, nunca as verbas de manutenção e propaganda da
máquina pública e seus prédios de dimensões e serviços nababescos e
definitivamente nunca o orçamento do verdadeiro entretenimento banal – pão e circo. Muitas áreas para as quais
o orçamento é destinado não sofreriam impacto algum se a pequena verba
necessária para manter grupos como a BSESP fosse realocado. Mas o interesse político ainda dita as regras
da economia brasileira.
Precisamos de
um trabalho árduo e contínuo, a vida obriga o músico a ser muito mais.
Recentemente em um texto, o Maestro Abel Rocha nos lembra da importância de
sermos especialistas não apenas em música, mas também em direito,
administração, gestão publica, retórica, empreendedorismo e outras áreas. Pois
uma classe inteira ainda carrega a falsa alcunha de “vagabundos”. Não podemos
esperar tempos, como os atuais, de adversidade e luto para mobilização. As
circunstancias nos obrigam a lutar diariamente pelo reconhecimento da amplitude
dos serviços que prestamos. A Banda acaba, mas a luta continua.
Muitos outros órgãos
ainda correm o sério risco de extinção. Mesmo a OSESP, que provavelmente
usufrui do maior renome que uma orquestra no Brasil pode ter, vem sofrendo
cortes sistemáticos no orçamento que prejudicam a temporada anunciada. Enquanto
isso, perdemos grupos menores, é o triste exemplo a Orquestra Sinfônica de São
José dos Campos.
A velha jura
de utilizar a verba em áreas “mais importantes” foi intensificada mais uma vez.
Um velho argumento comprovadamente eficiente em descer a garganta de um grande
número de contribuintes, ainda que os setores ditos “mais importantes”
continuem, ano após ano, a sofrer com a falta de recursos e a protagonizar a
propaganda política de todos os partidos. Parece estranho que todos os valores
transferidos do mísero orçamento da cultura, somados a todas as promessas e anúncios
oficiais de investimento em saúde e educação nunca sejam suficientes para
retirar esses serviços públicos da situação precária em que figuram
sistematicamente. Falhe em prevenir e curar, depois falhe em educar (sufocando
a cultura, imprescindível ferramenta de instrução): uma receita básica para
eleição.
Chorem pela
Banda Sinfônica, sim! Mas conjuntamente lutem pela memória dela. Todos nós:
músicos, artistas plásticos, escritores, dançarinos, artesãos, leitores,
ouvintes, intelectuais ou não, apreciadores – todo aquele que gosta de arte,
todo aquele que ainda vai descobrir como é impossível viver sem ela. O cidadão
que conserva sua cultura mantém sua história viva, lembra-se do passado para
diminuir seus erros no futuro e cria para si e para o próximo a sociedade em
que gostaria de viver. Gosto de redobrar a atenção quando ouço uma peça, mas no
momento encosto meu ouvido ao lado da sala de concerto e apuro minha audição – escuto silêncio.